Em 1970 Os Mutantes lançam seu terceiro Lp. Mais inventivos do que nunca, chegaram arrebentando naquele início de década. O álbum foi "batizado" com o nome de: "A divina Comédia ou Ando Meio Desligado", uma citação à obra máxima do poeta, escritor e político italiano Dante Alighieri (1265-1321).
A capa do álbum é foto de uma encenação que Rita, Arnaldo e Sérgio fizeram baseada numa gravura de um dos mais importantes ilustradores e gravuristas do mundo, o Francês Gustave Doré, contida na edição de 1861 da Divina Comédia, confeccionada às custas do próprio Doré. Os arranjos foram assinados por Rogério Duprat (pra variar um pouco, rsrsrs) e Os Mutantes.
O disco abre com a faixa título "Ando Meio Desligado", um 'tcha-tcha-tcha' envenenado pelas guitarras de Serginho Dias e órgão/piano e sintetizadores de Arnaldo Baptista, essa composição foi inscrita no IV FIC e ficou, rsrs, em décimo lugar. Seguindo temos "Quem Tem Medo De Brincar De Amor", é aí que começa o deboche escrachado, os efeitos sonoros utilizados e o sotaque gringo de Rita dão um ar de total irreverência. A terceira faixa do Lp é a música mais foda contida nesse volume e digo mais, é uma das mais genias já feitas em terra-brasilis, na minha opinião somente ela já vale o álbum todo: "Ave, Lúcifer". O arranjo sinfônico de Duprat e as engenhocas criadas por Cláudio César Dias Baptista (Citado no Texto do álbum de 1969), encaixam-se de maneira surpreendente. De cara o timbre da guitarra já é fantástico, e, aos 47 segundos após o início, a letra se refere a serpente do pecado original, o efeito sonoro criado pra tal momento me faz de fato visualizar o movimento de uma serpente, acho incrível a solução que conseguiram pra isso, muito, muito genial! Essa faixa é o elo de coerência mais forte entre arte gráfica e conteúdo musical.
O Lado A é ainda composto por mais duas composições: "Desculpe, Baby", uma espécie de bolero'n'roll meio gospel com pitadas de deboche 'mutântico' e a progressiva e 'existencialista', rsrs, "Meu Refrigerador Não Funciona", que começa num tom bastante sombrio e lá pelos 4 min e 20 seg, entra numa onda meio jazzística e baixa uma alma bebop em Arnaldo que é um sarro, mas creio que pra quem estiver se iniciando em Mutantes vai ter dificuldades pra chegar até o fim da faixa, acho que você acaba mudando antes, rsrs.
O Lado B abre com a divertida "Hey Boy", um Iê-Iê-Iê que caberia no repertório de Celly Campelo numa boa. Seguindo temos duas releituras dos Mutantes. A primeira é uma composição de Roberto e Erasmo Carlos, "Preciso Urgentemente Encontrar Um Amigo", a versão ficou excelente, Erasmo só iria regravá-la em 1972, a segunda, é uma composição clássica do cancioneiro popular, a autoria é assinada por Silvio Caldas e Orestes Barbosa criador de um dos versos considerados como sendo dos mais belos da música brasileira: "...Tu pisavas os astros, distraída...". Mutantes e Duprat foram simplesmente fenomenais no arranjo, fizeram da música uma verdadeira Rádio-Novela, a sonoplastia usada torna essa versão uma obra-prima e com certeza é a versão mais ousada já feita pra tal canção, e creio, imbatível. A que vem em seguida é "Jogo De Calçada", totalmente Hendrix, e o solo de Sergio Dias no finalzinho é ducaraaaaleo!
O álbum ganha um tom solene com "Haleluia", tema que incia nos moldes dos contra-pontos renascentistas, mas que logo em seguida se transforma e não difere em nada de um coral gospel do Harlen seguido de um rock'n'rollzinho pra acabar, porque, afinal de contas, ninguém é de ferro, né? rsrs. Fechando o álbum temos "Oh! Mulher Infiel!", uma composição instrumental que tem uma narrativa bem legal pois começa pesadaça com uma guita rasgadona e órgão, isso até uns 2 min e 20 seg, depois disso cai num climão bem brega com um pianão tipo Richard Claydman e com Sérgio Dias ou Arnaldo, não sei ao certo, cantando bem ao fundo, como se fosse uma espécie de conformismo adquirido com algumas doses de Whisky. O clima dura um pouco mais de um minuto pra cair novamente na mesma furia raivosa com que se iniciou fechando assim o ciclo e o disco.
Como material Bônus acrescentei um curta metragem de 7 minutos, feito por Ântonio Carlos Fontoura, bem legal e que tem como trilha sonora praticamente todas as faixas desse álbum aqui. Acho que é isso, fui!
"...Ando meio desligado, eu nem sinto os meus pés no chão..." (mó papo de chapado essa letra, rsrsrs)
Postado Por Marcel Cruz
2 comentários:
incrível tu já não ter postado esse álbum no blog anteriormente. mais uma obra genial da maior banda de rock brasuca. esse eu tenho, mas o texto fui obrigado a ler. valeu!!!
Marcel,
Cheguei aqui pesquisando na rede sobre Nick Drake e fiquei impressionado com o conteúdo que encontrei em seu espaço.
Parabéns pelo Blog!!!
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